Atacar deus, querer destroná-lo, suplantá-lo, é uma
proeza de mau gosto, a façanha de um invejoso que tira uma satisfaação fátua do
facto de enfrentar um inimigo único e incerto.
Sob qualquer forma que se apresente, o ateísmo supõe uma
falta de boas maneiras, tal como acontece, por razões inversas, com a
apologética; ou não será, ao mesmo tempo, uma indelixadeza e uma caridade
hipócrita, uma impiedade, esgrimir em defesa de um deus, tentando assegurar-lhe
a todo o custo a longevidade?
O amor ou o ódio que lhe dedicamos revela menos a
qualidade das nossas inquietações do que a grosseria do nosso cinismo.
Os deuses do olimpo lusitano estão a ser atacados, não
reagem publicamente, preferindo um ignóbil silêncio e pela sucapa fazer anunciar
novas medidas de austeridade, espécie de vingança sobre o povo que ousou
protestar massivamente pelas ruas do país.
Deste estado de coisas só em parte somos nós os
responsáveis.
De Tertuliano a Kierkgaard, à força de insistir no
absurdo da fé,criou-se, no cristianismo, toda uma subcorrente que, vindo por
fim à superfície, ultrapassou a Igreja.
Qual o crente que, nos seus momentos de lucidez, não se
considera um servidor do Insensato?
Era Deus quem deveria sofrer as consequências.
Até hoje, atribuímos-lhe as nossas virtudes; não
ousavamos emprestar-lhe ainda os nossos vícios.
Humanizado, eis porém que ele se parece connosco: nenhum
dos nossos defeitos lhe é estranho. Nunca a expansão da teologia e a vontade de
antropomorfismo foram tão longe.
Esta modernização do Céu assinala o seu fim.
Como venerar um deus evoluído, ao gosto da moda, da moda
capitalista?
Para sua maior desgraça, deus, esse ao qual me refiro
especialmente, não recuperará tão cedo a sua “transcendência infinita”.
Por mim, sinto excessivamente os estigmas do meu tempo:
não posso deixar esse deus em paz; na companhia dos snobs, divirto-me
insistindo na sua “morte”, como se isso tivesse algum sentido.
Através da impertinência, julgamos liquidar as nossas
solidões e o fantasma supremo que as habita. Na realidade, estas, aumentando,
apenas nos aproximam daquilo que as assombra.
Quando o nada me invade e quando, de acordo com uma
fórmula oriental, chego à “vacuidade do vazio”, acontece-me, aterrado por tal
extremidade, voltar a cair em Deus, que mais não seja por desejo de espezinhar
as minhas dúvidas, de contradizer e de, multiplicando os calafrios, obter um
estimulante.
A experiêmcia do vazio é a tentação mística, a sua
possibilidade de oração, o seu momento de plenitude. Nos  nossos limites surge um deus, ou alguma coisa
que faz as suas vezes.

 
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